domingo, 14 de abril de 2013
segunda-feira, 1 de abril de 2013
A Igreja Matriz de Torre de Dona Chama
Nos casarios
rurais transmontanos, as Igrejas denunciam a primazia do sagrado sobre o
profano, sobressaindo na paisagem como manifestação da religiosidade de um
povo.
Foto “Portugal –
Luz e Sombra” – 1958
A percursora Capela de São
Brás
A história da
actual Igreja Matriz de Torre de Dona Chama está interligada com a deslocação
da própria povoação, desde o Castro de São Brás até à actual localização.
Sabemos pelas Memórias Paroquiais que, pelo
menos até 1758, a também já designada Igreja de São Brás era ainda a Igreja
Matriz da Torre de Dona Chama, sendo certo que, por essa altura, já havia sido
construída a actual Igreja Matriz:
“Esta igreja hé muito anticuissima, já do
tempo em que esta villa da Torre de Dona Chama estava assente naquelle sítio,
por isso ficou sendo esta a matriz. E o depois se veio a villa mudando abaixo
ao val e planície donde está, aonde os moradores mandaram fazer huma igreja
para a administraçam dos sacramentos, por rezam da matriz lhe ficar muito muito
desconveniente pela distancia e aspereza do sitio e caminho…”.
Capela São Brás - Vista lateral - Foto SIPA –
1958
Do mesmo dá
conta, Alexandre Rodrigues (De Miranda a Bragança: arquitectura religiosa de
função paroquial na época moderna):
“Pelas incomodidades e prejuízos resultantes,
nos finais do século XVII e durante a primeira metade do século XVIII, verificar-se-á
a tendência para a deslocação para o centro das aldeias das igrejas paroquiais,
a que se seguia, depois de observadas algumas normas, o abandono da antiga
igreja”.
“ (…) em Torre de D. Chama, o povo usava a
igreja existente no aglomerado e munia-se das licenças eclesiásticas para
apenas nas festividades se deslocar à afastada sede da paróquia”.
Actual Capela São Brás - Foto autor
No que respeita
à percursora Igreja Matriz (actual Capela de São Brás), o clérigo informante
das Memórias Paroquiais, descreveu-a
assim:
“Tem três altares, o altar-mor e dous coletares.
O altar mor hê de Nossa Senhora da Encarnação, o altar da mão Direita hê de Sam
Brás, adonde está hum Santo Cristo e o altar da mão Esquerda, hê de Santa
Luzia. Tem somente duas naves, nam tem irmandades algumas”.
Capela São Brás
- Retábulo-Mor - Foto SIPA
Com a (re)construção
da actual matriz, a velha matriz acabou por ser deixada apenas à celebração do
culto de São Brás, cuja festa se celebra no 1º Domingo de Fevereiro.
A construção da actual
Igreja Matriz
Como dissemos,
em 1758, data das Memórias Paroquiais, já existia a Igreja Matriz de Torre de
Dona Chama, embora não necessariamente com toda a sua actual composição
arquitectónica:
“A igreja que está nesta villa hé de duas
naves e com grandeza milhor que a matriz. Tem duas portas principaes e duas
travessas de cada lado da igreja suas portas travessas. Tem as paredes de
cantaria com o seu coro, tem dous altares coletrais, hum de Santa Anna e Sam
Joaquim que hé da mam Esquerda, entre Santa Anna e Sam Joaquim está Nossa
Senhora do Rosário ficando Santa Anna à mam Direita do altar e de Sam Joaquim.
(…) No altar da mam Direita está hum Santo Christo Crucificado muito ao
proprio, quasi do tamanho de hum homem. Tem esta igreja sua capella, muito mais
alta que a igreja ou corpo da igreja por se reformar de novo, por conta dos
moradores, com sua tribuna dourada, os altos e os baixos de varias tintas finas,
o teto della está com muita
perfeiçam, bem pintado, cornijada, da mesma madeira, posta em quadros, em cada
hum deles e por todos estão pintados os Quatro Mistérios, com muita perfeiçam e
outras mais pinturas bomas”.
Desta descrição
extrai-se que, ao menos quanto à Capela-Mor, reformada de novo, a actual estrutura arquitectónica
já existia em 1758, como também resulta da data de 1752, presente no painel de
Santo Ambrósio do tecto da Capela-Mor.
Mas resulta
também que o corpo da igreja era mais baixo que a Capela-Mor.
De igual modo, a
ausência de qualquer referência à torre-sineira, na Memória de Torre de Dona Chama, faz supor que a mesma, tal como a
actual fachada, seja de data posterior.
Em qualquer
caso, sabemos, pelo processo respeitante ao lançamento das obras da igreja de
Torre de D. Chama - Fonte: A.N.T.T.,
Desembargo do Paço, Repartição do Minho e Trás-os-Montes, Mç. 268, Cx. 346
-, citado por Alexandre Rodrigues (ob. cit.), que entre o final do Séc. XVIII,
início do Séc. XIX, foi sendo finalizada a actual composição arquitectónica da
Matriz de Torre de Dona Chama, que incluiu um aumento da volumetria de todo o
corpo da igreja (altura incluída) e construção da sacristia.
1971 - Foto SIPA
Em tal
reconstrução teve papel decisivo o padre Manuel de Carvalho Carneiro, abade da
Torre de D. Chama, S. Mamede de Guide e suas anexas.
De facto, em
1790, em petição dirigida à rainha D. Maria, o abade Carneiro referia que
“as duas matrizes daquella villa, a mais
antiga e principal somente durou hum anno [...] e cahio por terra, e a menos
antiga, já com espeques inteiramente arruinada”.
Queixando-se de
já ter suportado, à sua custa, a reedificação da matriz antiga (actual Capela
de São Brás) e de lhe ser impossível custear as despesas da matriz situada na
vila, propunha o lançamento de um imposto sobre o vinho vendido nas tabernas e
sobre a carne cortada nos açougues da vila e do seu concelho.
Em 1794, o
provedor da comarca de Moncorvo, Manuel António Pinto de Escovar (de que a
Torre de Dona Chama dependia administrativamente), mandou arrematar em praça
pública a obra de pedraria da matriz, “na
forma dos apontamentos e risco” que se tinham mandado fazer.
João António,
mestre canteiro de Alvites, chegou a arrematar a obra por setecentos mil réis,
não tendo, contudo, ao que supomos, efectuado a obra, dado que, pouco tempo
depois, se ordenava que a obra voltasse à praça.
Nesse sentido
aponta o facto da fachada executada ser substancialmente diferente do projecto
de 1794, o que nos remete, novamente, para a possibilidade da fachada só ter
sido concluída em 1815, tal como consta da data nela aposta.
Arco do portal principal – Foto autor
Descrição da Matriz de Torre de Dona Chama
A Igreja Matriz
de Torre de Dona Chama, ou Igreja de Paroquial de Nossa Senhora da Encarnação é
um exemplar bem preservado da arquitectura religiosa, barroca, destinado ao
culto católico paroquial.
Situado em
posição sobranceira, numa área de pendente Norte/Sul, no centro de uma
plataforma (adro) artificial, criada por muro de sustentação a Sul em cantaria
de granito.
Adro – Foto autor
Arquitectonicamente
apresenta-se segundo uma planta longitudinal e uma nave, com fachada-torre
formando nártex (vestíbulo).
Vista Exterior –
Foto autor
O frontispício,
orientado a Oeste, é cantaria aparelhada, rematado com cornija e empena em
aletas, sobrepujado por torre sineira quadrangular, colocada axialmente, com
quatro vãos de arco pleno e rematada por cornija com balaustrada e coruchéu.
A fachada é dividida
em 3 panos por pilastras que se prolongam superiormente nos cunhais da torre.
O portal
principal axial termina em arco abatido e apresenta pilastras sustentando
cornija encimada por pináculos e frontão curvo interrompido, com nicho no centro.
É encimado por óculo
quadrilobado.
Frontispício –
Foto autor
As fachadas
laterais do edifício, com embasamento, são rematadas em cornija arquitravada,
com porta de vão curvo e 2 janelas de verga recta.
Janela lateral –
Foto autor
Adossada a Sul,
à Capela-Mor, situa-se a Sacristia, de planta quadrangular, com duas frestas na
fachada Sul e porta de verga recta no lado Este.
Sacristia – Foto
autor
Pormenor relógio de sol –
Foto autor
A fachada posterior,
com nicho e empena, é coroada por uma cruz.
Fachada
posterior – Foto autor
A organização do
frontispício é condicionada pela torre que ocupa o eixo cardeal e se projecta
no interior da planta da nave.
O primeiro dos
arcos da torre alinha-se pelo pórtico de entrada, facto que acentua a
longitudinalidade planimétrica do templo.
O arco do lado
oposto inicia o caminho da caixa de escadas, em cantaria, que leva ao Coro-Alto
e aos sinos.
A cobertura da
torre é feita por um cónico zimbório, que se sobrepôs à opção inicial (ver projecto
fachada de 1794) de uma cúpula bolbosa.
No alto das “sineiras”,
onde, por vezes, com alguns excessos, muito se repicaram os sinos, em altura
pascal, é visível a forma como a torre domina o casario circundante.
Vista
torre-sineira – Foto autor
O restante arco da
torre termina a antecâmara e coincide com a entrada no corpo principal da
igreja, encimada pelo Coro-Alto, sustentado por um arco abatido, de apreciável
execução arquitectónica, protegido com balaustrada de madeira.
Coro-Alto – Foto
autor
O corpo da
igreja é delimitado com paredes laterais simétricas tendo, de cada lado, 3
confessionários embutidos.
De cada lado
sobressai ainda um púlpito, protegido com balaustrada de madeira.
Púlpito do lado
do evangelho – Foto autor
Como nota
arquitectónica peculiar, talvez inspirada na arquitectura militar, sobressai o
facto do acesso aos púlpitos se fazer em escada interior, recortada nas
paredes do templo, o que também demonstra alguma monumentalidade das mesmas.
Escada de acesso
ao púlpito – Foto autor
Caminhando na
direcção da Capela-Mor, sobressaem dois altares laterais de talha, colocados de
ângulo.
O do lado do
Evangelho é dedicado a Nossa Senhora dos Remédios e o do lado da Epístola tem
Cristo na Cruz.
A entrada na
Capela-Mor é encimada por arco triunfal pleno, com pinturas murais sobre o arco
e nas paredes laterais.
No tecto da
igreja, em abóbada de berço e em madeira pintada, destaca-se uma pintura da
cena da Anunciação, datada de 1844.
O interior da
Capela-Mor ostenta um riquíssimo retábulo-mor de estilo joanino, em talha
dourada com colunas salomónicas, coroamento em baldaquino e trono central.
O sacrário e altares
laterais apresentam-se coroados também por baldaquinos.
A decoração
ostenta elementos fitomórficos, conchas, florões, putti e figuras humanas.
Retábulo-Mor –
Foto-autor
O tecto da
Capela-Mor, abobadado, é revestido de 24 caixotões pintados, respeitantes aos
Mistérios do Rosário (Gozosos: Anunciação;
Visitação; Nascimento; Apresentação no templo; Jesus no Templo entre Doutores; Dolorosos: Agonia
no horto; Flagelação; Coroação de espinhos; Caminho do calvário; Crucificação;
Gloriosos: Ressurreição; Ascensão;
Pentecostes; Assunção de Nossa Senhora; Coroação da Senhora como rainha do céu),
aos quatro evangelistas, aos quatro padres da igreja (Santo Ambrósio, Santo
Agostinho, S. Tomás e S. Gregório) e à padroeira, a Senhora da Encarnação.
Tecto da
Capela-Mor – Foto autor
Relevo patrimonial e turístico
da Matriz de Torre de Dona Chama
A Matriz de
Torre de Dona Chama não se encontra classificada, nem é objecto de qualquer
zona de protecção.
Tal tem
permitido que, ao longo dos tempos, tenha sido objecto de intervenções, mais ou
menos voluntaristas, dos párocos residentes ou das comissões fabriqueiras, sem
a necessária supervisão dos organismos estatais.
Aqui fica um
exemplo de tais intervenções, datada dos anos noventa.
Urgia que os
poderes locais providenciassem pela sua classificação como imóvel de interesse
público e pela criação da respectiva zona de protecção, premente pelo facto de
o imóvel se situar entroncado no núcleo urbano, com construções muito próximas.
Em qualquer
caso, a Matriz de Torre de Dona Chama, para além do seu natural primeiro papel de
templo católico destinado ao culto religioso, tem um interesse turístico
relevante e potenciador do desenvolvimento local, se integrado estrategicamente
com o demais património.
Para quem o queira visitar, torna-se necessário perguntar, junto do Largo da Berroa e Pelourinho por quem detém as chaves, dado que se encontra fechado ao público, por a isso obrigarem as razões de segurança.
Lembram-se das Endoenças?
Só os mais velhos se
recordarão da realização dos Autos da Paixão que a Torre de Dona Chama
realizou nos anos cinquenta do século passado.
Mas, decerto, mesmo
os mais novos terão ouvido falar das Endoenças e de um outro familiar ter nelas
participado como figurante.
Se hoje seria
difícil conceber uma produção desta natureza, com um palco gigante (montado no “Prado”,
actual jardim e recinto de festas) e em que estiveram envolvidos centenas de figurantes,
todos vestidos com traje de época, imagine-se a dificuldade que não foi
realizar as Endoenças, nos meados do século passado!
Segundo a memória da
minha mãe (Maria Augusta Mesquita) e outros, aqui fica a listagem de alguns
participantes e personagens interpretadas:
Vitor Fortunato
Pereira – “Jesus Cristo”
Maria Augusta
Mesquita – “Nossa Senhora”
Mário Pires – “Judas”
Gilberto Bernardo – “Pilatos”
Norberto Carvalho – “Diabo”
Mário Serrano – “São João”
Libório Serrano - “Rei Herodes”
Florinda Teixeira – “Verónica”
Teresa Nozelos – “Madalena”
Mário Medeiros – “O Espia”
Ilda Pires, Hélia Pinheiro Alves e Ana Pinheiro Valente – “3 Marias”
Ilídio Ferreira – “Caifás”
Viriato Felgueiras (Branco) – “Anás”
Carolino Serrano – “Um dos ladrões”
Muitos outros
participaram mas, infelizmente, os registos da época, ou não existem, ou são de
difícil acesso, valendo a memória (falível) dos poucos que ainda estão entre
nós.
Todos eles foram dirigidos
pelo Nuno Nozelos (que viria a escrever esse grande livro “Gente da Minha Terra”).
Dizem os que disso
ainda têm memória que ficaram inesquecíveis, entre outros, os desempenhos da “Nossa Senhora”, de “Jesus Cristo” e do “Espia”,
este sobretudo pela irreverência.
Aqui ficam algumas
recordações das Endoenças realizadas nos anos cinquenta, em Torre de Dona
Chama.
Quem sabe alguém
pode contribuir para corrigir ou completar esta memória.
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