domingo, 18 de novembro de 2012
Fazer uma pausa
Por vezes a vida remete-nos para a nossa concha e não nos apetece estar para fora.
Não durará sempre...
domingo, 14 de outubro de 2012
Sabia que?
Sabia que a
Torre de Dona Chama,
nos meados do século passado,
esteve prestes a ter uma Torre,
construída no Monte de São Brás?
nos meados do século passado,
esteve prestes a ter uma Torre,
construída no Monte de São Brás?
Corria o ano de
1958, quando um professor primário, natural de Arouca, que leccionava em Torre
de Dona Chama, achou que a terra, para fazer jus ao nome, teria que ter uma
Torre.
Informando já
ter o dinheiro suficiente, angariado “junto
da Junta de Freguesia e de outros particulares que vivem em terras estrangeiras”,
solicitou à Direcção dos Serviços dos Monumentos Nacionais autorização para “levantar uma Torre no Monte de S. Braz”,
“para assim a Terra ter o seu nome
verdadeiro da Torre, no cimo do monte que lhe fica sobranceiro”.
A ideia chegou a
fazer o seu percurso nos meandros burocráticos, como se demonstra num dos
muitos ofícios trocados entre as várias repartições governamentais.
Parecer intemédio - Digitalização SIPA
Todavia, alguns
meses mais tarde, o parecer emitido pela Direcção-Geral dos Monumentos
Nacionais veio por termo às ideias do professor, o qual, entretanto, havia deixado
a Torre de Dona Chama.
Parecer intermédio (1ª parte) - Digitalização SIPA
Em tal parecer,
que confirmou o parecer intermédio aqui publicado, salientava-se “a impropriedade de se restaurar ou construir
qualquer torre”.
Acresce que,
tendo os técnicos da protecção do património visitado o local, foi constatado
que “uma Comissão local procedeu à construção
de um coreto junto da Capela situada dentro do antigo Castelo, o qual pela sua
impropriedade convinha ser demolido, na primeira oportunidade”.
Porém, tudo
ficou na mesma, nem a Torre se construiu, nem o coreto se demoliu…
Imagem coreto
1958 - Foto SIPA
sábado, 6 de outubro de 2012
Ponte da Pedra
Ponte da Pedra na rede viária actual:
Quem circula na estrada nacional nº 206, entre Bouça e Torre de Dona
Chama, a cerca de 3 Km a Oeste desta Vila, quando atravessa o rio Tuela, não
fica indiferente à existência de uma ponte, cuja ancestralidade se revela no
granito dos seus arcos ou na reduzida largura do seu tabuleiro.
Todavia, o viajante menos atento está longe de imaginar que está a
observar uma ponte milenar, de origem romana e classificada como monumento
nacional.
Ponte da Pedra - Foto do autor
Nada anuncia a existência e importância de tal obra de arte.
Nenhuma placa informa ou assinala que estamos a observar uma das mais
importantes obras de arquitectura civil que o império romano deixou no território nacional.
Isto apesar do artigo 33º do DL 309/2009, de 23.10, que prevê a
protecção do património cultural imóvel, estabelecer que “Os bens imóveis classificados são identificados através de placa
informativa e sinalética adequadas para o efeito”.
Tal omissão é pois, não só desprestigiante para os poderes locais
(leia-se Junta de Freguesia e Câmara Municipal, mas também entidades culturais
locais) e nacionais (IGESPAR), mas também uma clara violação de uma lei do
Estado Português.
E esta indiferença perante tão importante património é ainda mais
preocupante, do ponto de vista do desenvolvimento da Torre de Dona Chama, se
considerarmos que a Ponte da Pedra é um dos dois monumentos nacionais
existentes no concelho de Mirandela (o outro é a Ponte Velha, em Mirandela) e,
pela sua ancestralidade, o mais
importante.
Romanidade da ponte da pedra:
A Ponte da Pedra foi classificada como monumento nacional pelo Decreto
n.º 28/82, DR, I Série, n.º 47, de 26-02-1982.
Trata-se, portanto, de uma classificação relativamente recente.
Tal facto resulta da circunstância de, durante muitos anos, se duvidar, ou ignorar, que a ponte tivesse origem romana.
Embora já o Abade de Baçal se referisse à romanidade da Ponte da
Pedra, deveu-se provavelmente a António Maria Mourinho a classificação da Ponte
como monumento nacional de origem romana.
Em 1978, no seu artigo “Ponte
romana no rio Tuela e síntese das vias e pontes romanas no nordeste
transmontano”, in Trabalhos de
Antropologia e Etnologia, Porto, escrevia António Maria Mourinho:
“No ano de 1977, regressava eu
pela estrada de Valpaços a Bragança, pela Torre de Dona Chama e notei, a três
quilómetros desta antiga vila, ao enfrentar o rio Tuela que as aduelas da ponte
que o atravessa, sob a mesma via, eram semelhantes aos da Ponte de Chaves e da
Ponte de Salamanca sobre o rio Tormes. (…)
Ponte de Salamanca - Pormenor
Ponte
da Pedra – Pormenor – Foto do Autor
Desço ao rio e vejo no extremos dos arcos que são
seis, dois grandes viadutos quadrados, para o escoamento das águas nas grandes
enchentes e verifico no interior do primeiro arco e logo em todos, as fissuras
longitudinais do «forfex», no centro dos silhares, em toda a dimensão inferior
dos arcos. Na extremidade poente, abrem-se outros quatro viadutos, como os do
lado nascente. (…)
Nota-se perfeitamente que foi aproveitada toda a estrutura arquitectural central dos arcos e suas ligaduras muito resistentes (…). (…)
A
PONTE DA PEDRA da Torre de Dona Chama (…) é uma ponte romana, bem conservada na
sua origem, (…) a qual embora e pertencendo e servindo actualmente à Junta
Autónoma de Estradas, como rodovia de trânsito actualizado, deve a Direcção
Geral do Património Nacional diligenciar que seja classificada de MONUMENTO
NACIONAL ROMANO, e inscrevê-la no respectivo catálogo e procurar junto da mesma
Junta Autónoma de Estradas a sua preservação e conservação, sobretudo na parte
original romana”.
Doc. SIPA
Actualmente,
é seguro que a Ponte da Pedra, tendo sofrido alterações, ao longo dos
tempos, é uma ponte romana, que assim é descrita na respectiva ficha do
IGESPAR:
“Terá sido inicialmente uma construção romana
que sofreu posteriores alterações que no entanto não lhe retiraram o nem o seu
carácter nem a sua qualidade arquitectónica.
Esta monumental ponte
em alvenaria de cantaria de granito é constituída por seis arcos de volta
perfeita, com um raio de cerca de 4,4m, reforçados, junto aos pegões, por
talhamares que atingem a cota do tabuleiro e que acabam por funcionar também
como contrafortes da estrutura. As aduelas dos arcos encontram-se colocadas em
cunha sendo bem visíveis as marcas de forfex (perfurações
que permitiam o encaixe das extremidades de grandes tesouras metálicas, integradas
em sistemas de elevação que permitiam transportar e elevar os blocos).
Marcas de "forfex" - Foto do autor
O seu tabuleiro
rectilíneo e horizontal, protegido lateralmente por guardas, tem cerca de 100m
de comprimento por uma largura de 6,3m e encontra-se a uma altura de cerca de
6,5m acima do leito do rio.
Eventualmente, esta
ponte, junto da qual se encontrou um marco miliário anepígrafo, integraria a
via romana que das actuais Léon e Astorga se dirigia a Zamora e Salamanca.
Durante a Idade Média
passaria por aqui um importante eixo viário regional que de Guimarães se
dirigia a Bragança. A leste encontra-se ainda o troço de um caminho empedrado
com cerca de 800m de comprimento e que se bifurcava a cerca de 300m da ponte” - o entrelinhado é nosso.
Caminho junto à Ponte da Pedra - Possível traçado da Via XVII - Foto do Autor
Ponte da Pedra - Arcos Centrais - Foto SIPA
A
Ponte da Pedra na rede viária romana:
As
vias de comunicação foram sempre, ao longo do tempo, da maior importância e
utilidade para o progresso da humanidade.
As
vias romanas, em particular, utilizadas por Roma como instrumento que permitiu
estender a sua cultura a todos os territórios conquistados, tiveram um papel
fundamental no que hoje se designa como a civilização ocidental.
É
difícil de imaginar o que seria o desenvolvimento cultural e material dos povos
e lugares, por onde os romanos passaram, se não tivessem existido as vias
romanas.
Quando,
dois mil anos mais tarde, se continua a ouvir na boca de toda a gente a
expressão “todos os caminhos conduzem a
Roma”, tal é apenas o reflexo de que as vias romanas foram o cordão
umbilical do Império.
O
documento mais interessante que nos chegou até nós sobre as estradas romanas
consiste numa relação delas, com indicação das mansiones percorridas e as distâncias entre elas: trata-se de um
itinerário escrito, cuja origem, autoria e datação permanecem controvertidas,
chamado Itinerarium Provinciarium
Antonini Augusti.
Vias Romanas da Hispania - Fonte Wikipedia
De
entre as vias que percorriam o actual espaço geográfico nacional, a chamada Via
XVII, que ligava Bracara Augusta
(actual Braga) a Asturica (actual
Astorga, Comunidade Autónoma de Castela Leão), é a mais antiga do noroeste
peninsular, como é atestado por vários miliários atribuídos a Augusto, datados
entre os anos 5 e 2 a.C..
O
traçado provável de tal via foi, ao longo dos tempos, objecto de estudos
sectoriais, procurando identificar as mansiones
intercalares e os percursos entre as mesmas.
De
todas as mansiones intercalares,
aquela sobre que já não recaem quaisquer incertezas, é Ad Aquas, depois Aqua Flaviae,
a actual Chaves, onde se situa a conhecida Ponte de Trajano, construída entre
finais do século I e inícios do século II d.C., durante o processo de
romanização da região, coincidindo com a vigência do imperador Marco Ulpio
Trajano.
Ponte de Trajano - Chaves
Apesar de discutir
a existência de possíveis variantes, Colmenero, descreve assim a via romana, na
zona da Ponte da Pedra:
“Desde Val de Gouvinhas, a calzada avanzaba
case en liña recta cara á ponte romana da Torre de Dona Chama, desde onde, polo
norte e sen toca-la poboación deste nome, ascendería, pola suave ladeira alí
existente, camiño da aldea de Lamalonga, onde foron atopados outros dous
miliarios (nos. 115, 116), segundo se verá.
Avanzaría seguidamente
por Agrochao, Penhas Juntas e Edrosa para, unha vez superada esa poboación, torcer
á esquerda e encaixarse maxistralmente pola ladeira oriental da depresión que
baixa ata Nunes, aldea que tocaría, polo leste, no seu percorrido, e avanzar
despois, ou polo trazado da moderna estrada cara a Vinhais”.
Da existência de outros marcos miliários, encontrados perto de Torre de Dona Chama, mormente na zona de Vila Nova da Rainha, se dá conta em recentes estudos realizados nos concelhos de Macedo de Cavaleiros e Vinhais.
Possível marco miliário - Vila Nova da Raínha - Foto "Terras Quentes"
O aparecimento de marcos miliários é tido como decisivo sobre a existência, nas suas imediações das vias romanas.
Os municípios de Macedo de Cavaleiros e de Vinhais têm apoiado o estudo das chamadas Vias Augustas, na qual se insere a Via XVII, da qual a Ponte da Pedra era parte integrante.
Estranha-se a inércia do município de Mirandela, sobretudo se considerarmos que a Ponte da Pedra é, talvez, depois da Ponte de Trajano, em Chaves, o vestígio mais importante da Via XVII de Antonino.
Ponte
da Pedra – Filipe III:
O
facto da Ponte da Pedra ter origem romana e conservar intactas muitas das suas
características, designadamente os seus arcos, não invalida que tenha sido, como outras (assim conteceu com a
de Trajano), sujeita a reparações e modificações, ao longo dos tempos.
Das
documentadas, destaca-se a ocorrida, durante a dinastia filipina, mais
propriamente, próximo de 1635, no reinado de Filipe III (IV de Espanha).
A
ela se refere SOUSA VITERBO (Dicionário Histórico e
Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, Vol. I,
Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, s/d, pp. 491):
“Gonçalo de Aguiar arrematou tambem por 2:500
cruzados a obra da ponte do rio da villa de D. Chama. Filipe III, por provisão
de 4 de janeiro de 1635, mandou lançar finta da dita quantia para esta
construcção. (Filipe III, Doações, liv. 40, fl. 17).”
Filipe
III, Doações, liv. 40, Fl. 17 - Digitalização ANTT
Consultando
a fonte primária citada, verifica-se que a razão da preocupação do monarca
residia no facto da Ponte da Pedra, que se encontrava num estado degradado,
servir de passagem para o Reino da Galiza.
Por
isso justificava que lançasse a dita finta (leia-se imposto) sobre os moradores
dos lugares, não só da comarca de Moncorvo (à qual a Torre de Dona Chama estava
ligada administrativamente), mas também das comarcas das cidades da Guarda,
Viseu, Lamego, Porto, Miranda e “vila de Guimarães”.
Filipe III, Doações, liv. 40, Fl. 18 - Digitalização ANTT
Ponte
da Pedra – Perplexidades actuais:
Já
após a sua classificação como monumento nacional, a Ponte da Pedra foi alvo de
algumas reparações no ano de 1995, levadas a cabo pela Junta Autónoma de
Estradas.
Segundo
o site do IGESPAR, que não tem disponibilizado o respectivo relatório,
tratou-se de trabalhos de consolidação e beneficiação.
Ao
que julgamos saber, a intervenção, que durou cerca de um ano, debruçou-se,
sobretudo sobre a consolidação das fundações que apresentavam problemas resultantes
do curso do Tuela.
Em
data que desconhecemos, a Ponte da Pedra foi local de ocorrência de dois
alegados acidentes de viação que lhe derrubaram parte de ambas as guardas.
Uma
das guardas derrubadas – Foto SIPA
Tais
guardas foram alvo de reparação.
Todavia,
apesar de, é certo, tais guardas não fazerem parte do núcleo da Ponte da Pedra assumidamente romano, não pode deixar de se questionar a forma como tal reparação foi feita, não
havendo qualquer cuidado de enquadrar o granito novo, na vetusta estrutura
existente.
Guarda
Oeste – Foto do Autor
O mesmo se diga, quanto à introdução de materiais, como o cimento, desadequados para uma obra de arte tão antiga.
Guarda
Este – Foto do autor
Porventura
com alguma má consciência (nós próprios alertamos para
o desleixo a que estava votada a Ponte da Pedra), o
IGESPAR, já em 2007, realizou trabalhos arqueológicos na área da Ponte da
Pedra.
Segundo
o site respectivo, tais trabalhos consistiram na “Desmatação e limpeza sumária da estrutura associada a uma provável
mutatio. Desmatação e limpeza sumária do muro Sul que ladeia o caminho tendo em
conta que o muro Norte se encontra muito destruído e apresentava aparentemente
uma construção recente. Registo fotográfico do muro nos locais onde se pôde
constatar a existência de elementos pétreos de origem romana e/ou medieval.
Execução de sondagens de 20 em 20 metros. Continuação das sondagens onde fossem
detectados prováveis vestígios da via romana.”
A
mutatio, na lógica da rede viária
romana, era um estabelecimento de mudança de animais de tiro, estabelecida
normalmente cada quatro ou cinco milhas, que compreendia um estábulo e uma
rústica moradia destinada aos cuidadores.
Pena
que o relatório dos trabalhos não esteja livremente disponível.
Em
qualquer caso, “Os trabalhos de escavação
indicaram a presença de um caminho antigo que face às suas características
poderá corresponder a um caminho romano. No entanto, a inexistência de
materiais dificulta uma atribuição cronológica mais precisa”.
Louvamos
a aparente nova postura que o IGESPAR parece ter em relação à Ponte da Pedra.
Foto
SIPA
Ponte
da Pedra – Que Futuro?
A
Ponte da Pedra da Torre de Dona Chama é um monumento nacional, de origem romana,
que esteve integrado na rede viária romana, na chamada Via XVII de Antonino.
Actualmente
ao serviço da rede viária nacional, servindo a E.N. 236 para transpor o Rio
Tuela, permanece incógnita e desprezada pelos poderes locais e nacionais.
Desprezada
pelos poderes locais que não têm sabido promover a sua importância como lugar
histórico de interesse turístico, capaz, integrado num percurso mais vasto que
englobe o demais património imóvel e móvel, de promover de forma sustentada a Torre de Dona Chama.
Desprezada
ainda pelos poderes nacionais, que não a respeitam como monumento nacional
protegido pelas leis do Estado, permitindo que seja praticamente desconhecida,
não se dando sequer ao trabalho de a sinalizar e assinalar como Monumento
Nacional.
Foto
SistMir
Com
a dignidade de tal classificação seria exigível que fosse, tal como foram outros
monumentos nacionais, dispensada do esforço de servir a rede viária, promovendo-a e dignificando-a
como imóvel milenar, exemplo digno da romanização em Portugal.
Como
os ventos económico-financeiros não estão de feição para tal pretensão,
impõe-se, pelo menos, a implantação de uma zona especial de protecção, que
impeça atentados à sua estrutura e promova a sua preservação.
Como
o procedimento administrativo de implantação da zona especial de protecção se
pode iniciar a requerimento de qualquer interessado, ficava bem à Junta de Freguesia
de Torre de Dona Chama dar o pontapé de saída nesse sentido.
Contudo,
estaremos atentos e, caso nada seja feito, ponderaremos assumir tal
responsabilidade.
domingo, 30 de setembro de 2012
A Imprensa Torreense no Alvor Republicano - Parte II
Jornal “Éco de D. Chama”
Após o fim da publicação do jornal “Torre D. Chama”, em 1913, em 21.03.1915, é editado o 1º número do “Éco de D. Chama”.
Esse novo projecto teve como proprietário José Augusto Figueiredo, como administrador José Pereira de Sousa e Director (até ao nº 17) Carolino Gonçalves, sendo redactores António Gonçalves e Francisco Conceição Pires.
Com periodicidade tendencialmente semanal, teve, no seu início, uma posição assumidamente independente, porventura, pretendendo contrastar com a perspectiva alinhada que o “Torre D. Chama” teve nos seus últimos números.
"Éco de D. Chama" - Edição nº 1 |
Vale a pena aqui citar alguns excertos do “editorial” do 1º número:
“Há tempos que acariciamos a ideia de dotar a nossa terra com uma publicação periodica que viesse satisfazer uma das multiplas pretensões que podem justamente ter centenas de famílias, nas quaes um orvalhosinho de instrucção já rahia e que habitam agrapadas neste pequeno torrão que nos foi berço. (…)
Ocupar-nos-hemos de todos os assumptos que directa ou indirectamente se prendam com os interesses moraes e materiaes da nossa villa, como economia, agricultura, commercio e industria; e com nosco podem contar os oprimidos e os que sejam desatendidos injustamente e falaremos de tal forma alto que o echo da nossa voz vá de quebrada em quebrada até chegar aos ouvidos do chefe supremo da Nação, se tanto for necessario. (…)
A politica de facção obriga a dizer-se algumas vezes o que não se sente, e pelas ligações partidárias, invocando-se a disciplina, chega-se, mesmo que haja repugnancia, até á ignominia. Dessas peias estamos nós livres, graças a Deus.”
Tal independência foi ainda invocada no edição nº 2 (28.03.1915):
A fundação do semanário “teve tão sómente em vista advogar, livre de paixões politicas e prisões partidárias, os interesses da nossa nação e desta populosa vila, parte integrante daquela.”
Todavia, esta independência apenas se manteve durante 17 edições, já que no nº 18, o jornal assumia à adesão à causa evolucionista:
“Passa hôje a uma nova fase o nosso jornal. Vai enfileirar ao lado daqueles que defendem, atravez de todos os obstáculos, uma causa nobre: - a salvação do nosso Portugal -; vai enfileirar ao lado do Partido Republicano Evolucionista (…)
Resolvemos, pois, passar o nosso semanário para o Partido Evolucionista, para nos defendermos e defendermos o nosso querido Partido, de que é chefe, o Dr. Antonio José de Almeida, honra e gloria da nossa raça lusa!
A’vante, pois, pelo Partido Republicano Evolucionista.”
"Éco de D. Chama" - Edição nº 18
Esta evolução do jornal vislumbra-se ao longo da linha editorial do jornal, marcada nos seus primeiros números, por questões locais, para, após a assunção do alinhamento político, pontificarem os artigos de política nacional, de forte cunho partidário.
Da primeira fase do jornal, destacam-se rubricas como a “Secção Agricola”, que contou com a colaboração de Antonio de Moura Pegado, director da Estação do Fomento Agrícola Transmontana e a dos “Preços dos géneros alimentícios”, praticados na Feira da Torre.
Sobre esta questão das vendas na feira, daremos conta mais tarde, quando nos dedicarmos ao assunto, que merece superior destaque, das Feiras de Torre de Dona Chama.
Comum a todas edições do jornal é uma secção literária, da qual, aleatoriamente, reproduzimos dois dos muitos poemas editados ao longo dos (pelo menos) 25 números do "Éco":
Secção literária - Edição nº 3
Ainda presente a todas as edições, é a página publicitária, na qual se referem algumas das casas comerciais de Torre de D. Chama, vila que, à época, tinha "dois mil habitantes aproximadamente e comercialmente ocupa o primeiro lugar no concelho de Mirandela" - nº 1 do "Éco".
Publicidade - Edição nº 8
Relativamente às questões locais, deixamos aqui alguns excertos de notícias publicadas no “Éco de D. Chama”:
Logo na edição nº 1 (21.03.1915), em artigo intitulado “Assuntos Locais”, foi retomada a questão do edifício escolar que já havia ocupado algumas páginas do anterior jornal “Torre D. Chama”:
“Existe nesta vila um edifício escolar em construção. Ha mais de seis anos que ali os trabalhos estão paralisados dando o resultado do referido edifício estar numa demolição constante em virtude de não estar coberto, nem ter vidros nem janelas.”
Tal assunto foi retomado no nº 4 do jornal (18.04.1915):
“Mais uma vêz vimos solicitar que o edifício escolar desta vila seja acabado de construir pois não o sendo no mais curto praso, este edifício está numa ruina continua que é devido a não estar completamente telhado, não ter vidros nas janelas e não estar caiado.”
"Éco de D. Chama" - Edição nº 4
Ainda no nº 1 do “Éco”, dá-se conta da tomada de posse, como secretário da administração do concelho de Mirandela do “nosso querido amigo e presado camarada Antonio Gonçalves”.
No nº 2 do “Éco” (11.04.2015) noticia-se a seguinte nomeação:
“Foi nomeado regedor substituto desta vila o nosso amigo Sr. José Alexandre Nogueira”.
Na edição nº 3 (11.04.1915), referenciam-se o seguinte movimento de Registo Civil:
“No posto do Registo Civil desta vila efectuaram-se, durante o mês de Março findo, os seguintes registos:
De nascimento, sexo masculino ----7Idem sexo feminino ------------------ 3
Obitos --------------------------------- 4
Averbamentos de óbito ------------- 1”
As primeiras referências à Grande Guerra (a designação 1ª Guerra Mundial surge apenas depois do surgimento da 2ª) surgem nº 4 do “Éco” 18.04.1915), com um pequeno apontamento na rubrica “Boletim Elegante”:
“Avisado pelo consul francez na cidade do Porto, para ser alistado no exercito da sua nação, partiu das minas de Ervedosa para Pariz o nosso simpatico e inteligente amigo Sr. Armand Maillet, filho do ilustre engenheiro – director interino das referidas minas.”
Logo na edição seguinte (25.04.1915), o assunto é retomado, novamente relacionado com as minas de Ervedosa:
“Após um prolongado interregno, interregno que foi motivado pelo actual conflito europeu, encontram-se novamente em laboração estas importantes minas, de que é director geral Mr. Louis Ourth e engenheiro chefe da exploração o nosso presado e ilustre amigo, Mr. François Carpentier, actualmente nas linhas de fogo francesas. Por tal motivo, foi nomeado director interino da exploração o tambem nosso amigo e inteligente engenheiro, Mr. Fernand Millet.
Logo que nesta vila se teve conhecimento da ordem para dar principio aos trabalhos, houve grande regosijo, especialmente da parte dos operarios desempregados, que eram em grande numero.”
Após alguns números em que a questão esteve ausente, a edição nº 12 (13.06.1915) retoma-a:
“De dia para dia cresce o interesse pelo drama sangrento, que se está desenrolando na maior parte da Europa, iniciado, ou para melhor dizer, provocado pelo militarismo e selvagismo alemão. A intervenção da Italia na guerra traz bastante intrigada a curiosidade publica, porque será devido á intervenção desta potencia que mais rapidamente se definirá a questão.
Impossível se torna inserirmos tudo quanto se prende com o assunto, procuraremos no entanto, registar, neste semanário, o que mais sensacional vai ocorrendo, para ilucidar os nossos leitores; embora as noticias relativamente a esta causa não sejam muito recentes; mas fazemos assim porque alguns dos nossos leitores, principalmente os nosso visinhos, não assinam outro jornal, além do “Éco de D. Chama.”
Actualizando informação, o nº 16 do “Éco”, com o título “Guerra na Europa”, faz o “resumo da ultima semana de guerra”:
“A 47ª semana de guerra, que regista o aniversario do assassinato do principe herdeiro da Austria, em Sarajevo, nada regista de decisivo, infelizmente. O mais importante resume-se nisto:
França e Belgica – Confirma-se a vitória dos aliados no Labirinto. De resto, encontros em toda a linha ocidental, mas sem nenhuma modificação importante na situação dos beligerantes.
Italia – Os italianos continuam o seu avanço lentamente devido às dificuldades do terreno, nos montes, onde ainda encontram neve que lhes impede a marcha. (…)
Guerra no ar – Os francezes realisaram um raid aério sobre a fabrica de zepelins em Friedrichshonen, sendo bem sucedidos.”
Na edição 17 (18.07.1915), actualiza-se também a informação sobre a Grande Guerra, o que se repete no nº 18 do “Éco” (25.07.1915), através de uma carta, enviada pelo acima já referido François Carpentier ao Director.
Todavia, por razão que se desconhece, mas que não deixará de estar relacionado com o alinhamento político-partidário do jornal, a partir dessa mesma edição nº 18, o assunto não mais voltou às suas páginas.
Voltando às questões locais focadas nos artigos do jornal, o nº 2 do jornal (28.03.1915) noticia a realização de uma “kermesse”, “em beneficio do «Club Recreativo da Torre»”, tendo em vista “beneficiar as creanças pobres desta vila e abrir um curso noturno para adultos”.
“Mas este amor pela instrução, não é d’agora, pois o «Club Recreativo da Torre», logo após a sua fundação, que foi em 1908, abrira uma verba anual de 11.000 reis para compra de livros, verba que tem tido o seu devido destino, sendo os livros entregues ás respectivas professoras.”
Sobre o Club, a edição nº 5 do jornal (25.04.1915) noticiou:
“Por intermedio do nosso camarada, José Pereira de Sousa, acaba este Club de fazer a aquisição de um belíssimo bilhar artístico (…) de construção moderna, com tabelas «monarch-match», umas das melhores que existem (…).”
Ainda sobre os assuntos locais, o nº 4 do “Éco” (18.04.1915), num artigo com esse mesmo título, refere:
“Ha aproximadamente dez anos que se tentou canalizar a agua para esta vila, para abastecimento público. Paralizaram os trabalhos dando o resultado de todas as valas, em que deviam ser assentes os canos de ferro para conduzir a agua ao ponto marcado, estarem completamente entupidas.
Devido a isto, a agua corre desorientadamente formando na esplanada do prado um verdadeiro pântano que ocasiona uma exalação de gazes antegiénicos e indubitavelmente a absorpção destes gazes influi para que na população desta vila haja frequentes epedemias de pústulas e de variôlas, como sucede todos os anos principalmente no verão.”
Também a edição nº 5 (25.04.1915), sobre o título “Melhoramentos Locais”, noticia:
“São muitos os melhoramentos que esta terra carece e é digna. Além dos já encetados, como o edifício escolar e a canalisação das aguas para abastecimento do nosso consumo, para a conclusão dos quais, que nos é urgentemente necessaria, temos chamado algumas vezes a atenção dos srs. Ministros da instrução e do fomento, existe um, para nós superior a todos, de que hoje resolvemos pela primeira vez falar.
É ele a creação dum concelho nesta populosa e hospitaleira freguesia.”
No nº 8 do jornal (16.05.1915), a “Junta de Paroquia”, já objecto de crítica no anterior “Torre D. Chama”, é uma vez mais furiosamente posta em causa, a propósito da iluminação pública, para a qual a “extinta camara de Mirandela” estava na disposição de “abrir uma verba anual de 30 a 50 escudos para sustento da iluminação”, todavia, afirma-se que “se tal verba não entrou no orçamento”, foi devido “ao nenhum zelo e muito desleixo da Junta de Paroquia desta localidade”, a qual “não reuniu, que nós saibamos, uma unica vez. Nada tem feito, nada fará. Nem as contas, sequer conforme a lei résa, foram expostas ao publico! Um desleixo nunca visto, um desleixo vergonhoso”.
Como acima dissemos, no nº 18, o semanário assume a sua adesão à causa evolucionista.
A partir de tal edição, António Gonçalves assumiu o cargo de Director do Jornal, deixando de figurar no cabeçalho qualquer referência sobre redactores.
Não esquecidos do “editorial” do nº 1 do “Éco”, os responsáveis do jornal reconhecem que tal comprometimento partidário os vai levar para outros caminhos, diversos do inicialmente traçado, de teor local e de defesa dos interesses da terra.
Ainda assim, escreveu-se na edição nº 19 (1.08.1915):
“«O Eco de D. Chama» pelo facto de enfileirar nas linhas de combate contra aqueles que a Patria de Camões pereça num abismo de falcatruas e perseguições, não abdica do seu primitivo programa, - pugnando incessantemente pelos interesses e melhoramentos desta vila.”
Porém, as edições seguintes encontram-se praticamente despidas de questões locais, primando por artigos, de âmbito nacional, e por uma rubrica, de guerrilha partidária, intitulada “Rosna-se”, cheia de meias palavras e segundos sentidos, praticamente incompreensível para quem se encontra historicamente deslocado.
Todavia, do nº 25 (12.09.1915), provavelmente a última edição do “Éco de D. Chama” (não tivemos acesso a qualquer outra edição posterior), destacamos a notícia sobre a Festividade do Senhor dos Passos:
“No passado domingo, 29 de Agosto, teve lugar nesta vila a festividade ao Senhor dos Passos, que revestiu grande imponencia.
No sabado houve um arraial onde a filarmonica desta vila executou o seu variado e lindo reportorio. (…)
No domingo houve uma missa solene, cantada pelo Reverendo Abade desta freguesia, snr. Antonio Augusto Moás, e sermão pelo distinto orador sagrado snr. Conego José Maria Ferreira (…).”
"Éco de D. Chama" - Edição nº 25
Nota final:
Folheamos aqui algumas edições dos Jornais "Torre D. Chama" e "Éco de D. Chama".
Não deixa de impressionar, desde logo, a existência, num curto espaço de tempo, de dois projectos, com pessoas diferentes, que deixam, ao leitor de hoje, uma visão algo cosmopolita da Vila de Torre de Dona Chama, no início de um século XX, marcado pela proclamação da República e pelas lutas partidárias que lhe foram inerentes.
Ressalta ainda uma certa imagem aristocrática de uma terra que, apesar de ter perdido a sua condição de concelho, procurava manter a sua importância local e ainda rivalizava com a sede de concelho, em termos comerciais.
"Casa comercial António Gonçalves" - retirado de http://postaisportugal.canalblog.com/
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