domingo, 24 de novembro de 2013

A ESCOLA PRIMÁRIA DE TORRE DE DONA CHAMA



Foto do autor

Muitos da minha geração concluíram o antigo ciclo preparatório no edifício, sito na Rua Dr. Bonfim das Neves [WGS84 (graus decimais): lat.: 41.655292º, long.: -7.127487º], que actualmente serve de instalações à Junta de Freguesia de Torre de Dona Chama e outros serviços públicos.
Contudo, tal edifício centenário foi construído para o ensino primário.
Vale a pena fazer uma breve resenha histórica sobre a sua construção.
O ensino primário oficial, na Torre de Dona Chama, naturalmente, começou muito antes da construção deste edifício.
Já em 9 de Fevereiro de 1832, o Diário do Governo dava conta da abertura de um concurso para “a Cadeira das Primeiras Letras da Torre de D. Chama, na Provedoria de Moncorvo, com o Ordenado anual de 90$000 rs.”.
Na “Colecção dos Relatorios das Visitas feitas aos Districtos pelos respectivos Governadores Civis em virtude da Portaria de 1 de Agosto de 1866, 1868, Lisboa: Imprensa Nacional”, em que se faz um cenário muito negativo da “instrucção publica” no distrito de Bragança (“pessimas casas de escolas e mau pessoal”), referencia-se António Bernardo Mendes como professor da escola nocturna para adultos, a qual, contudo, ainda não se tinha conseguido abrir “pela nenhuma capacidade da casa”.
A construção da escola primária de Torre de Dona Chama teve início em 1905, fazendo parte de um conjunto de 184 escolas, cujo concurso público foi lançado em finais de séc. XIX.
Tal concurso veio a ser ganho pelo arquitecto Adães Bermudes, com um projecto que viria a obter a medalha de ouro da Secção Escolar, na Exposição Universal de Paris 1900.


Imagem retirada de osafifinhos.blogspot.com


Tal projecto tipo era constituído por um corpo central mais elevado, que se destinava a casa dos professores e duas salas onde se separavam os dois sexos.
Característica das escolas Adães Bermudes, ausente porém no projecto de Torre de Dona Chama, era a existência de uma ou mais torre sineira, o que as tornou popularmente conhecidas como as “escolas dos sininhos”.
A finalização da construção da escola primária de Torre de Dona Chama foi de difícil gestação, arrastando-se por vários anos.
Disso nos dá conta o Jornal “Torre de Dona Chama(sobre o qual se pode consultar neste blog “A Imprensa Torreense no Alvor Republicano – Parte I”), na sua edição de 30.06.1911, referindo que “(…) no largo da feira, mesmo à beirinha da estrada, uma casa construída pelo plano Bermudes (…) não está concluida por faltarem os trabalhos de trolha e pouco mais, cuja casa disem é destinada a escola primaria dos dois sexos”.
E o impasse mantinha-se em 1913, como é referido na edição de 1.03.1913 do mesmo Jornal, em que o seu Director “achava conveniente que muito respeitosamente se representasse ao Ex.mo Ministro do Interior para que se digne dar por findo o edifício para a instrução primaria, que á oito anos lhe foi dado começo e que até hoje não se acha dado ás funções a que ia ser destinado!”.
Já em 1915, o Jornal “Éco de D. Chama (ver neste blog, “A Imprensa Torreense no Alvor Republicano – Parte II”), no seu nº 1, de 21.03.1915, referia que “existe nesta vila um edificio escolar em construção. Há mais de seis anos que ali os trabalhos estão paralisados dando o resultado do referido edificio estar numa demolição constante em virtude de não estar completamente coberto, nem ter vidros nas janelas”.


Digitalização do autor


A edição do mesmo Jornal, de 18.04.1915, insiste na necessidade de acabamento do edifício, uma vez que “uma das suas salas está transformada numa retrete sempre à disposição do vulgo ignorante”.
Desconhece-se a data em que o edifício ficou construído, sendo que é crível que as dificuldades da 1ª Grande Guerra (1914-1918) não tenham permitido a sua conclusão nesse período.


Foto SIPA


Do ponto de vista arquitectónico, o edifício da escola primária de Torre de Dona Chama é de planta rectangular, composta por três volumes escalonados, sendo o mais alto destinado à residência dos dois professores.
Na fachada principal, o edifício é rasgado por vãos em arco abatido no piso inferior, de aduelas calçadas, simples, em tijolo e pedra de fecho em cantaria e rectilíneos no superior, com moldura na verga e parte superior da ombreira em cantaria de granito, típico da região nortenha, com pedra de fecho saliente.
O corpo central possui, no piso térreo, duas janelas centrais e duas portas, para individualizar as dependências dos professores, a que correspondem, no superior, quatro janelas.


Foto SIPA


Os volumes laterais são constituídos por duas salas de aula, antecedidas por vestíbulos.
Nas fachadas laterais surgem três lumes escalonados com moldura comum. 
Cada uma das salas de aula possui três amplas janelas em arco abatido, que permitem a iluminação unilateral daquele espaço de estudo.


Foto SIPA


Junto à fachada posterior desenvolve-se amplo pátio, murado, que constituía a zona de recreio.
A fachada posterior é composta por corpo central de dois pisos, separados por friso de cantaria, rasgada no primeiro por duas portas de verga recta, precedidas de um degrau, ladeando corpo saliente, mais baixo, com cobertura prolongada lateralmente de modo a criar alpendre sobre as portas; no segundo piso abrem-se duas janelas iguais às da fachada principal; nas alas laterais, rasgam-se duas janelas de peitoril, sem moldura e gradeadas e, sob o alpendre, assente em pilares de cantaria, uma porta de verga recta.


Imagem retirada do blog contamecomoera.blogspot.com


Muitos dos nossos antepassados aprenderam neste edifício as primeiras letras, ensinadas por dedicados professores.
Embora o ensino primário ainda não funcionasse no edifício de que vimos falando, ficam aqui alguns registos dos professores e alunos que a imprensa local noticiou, nos inícios do séc. XX:
Em Março de 1915 era professora do sexo masculino a Sra. Dª Rita Ribeiro Gonçalves (Jornal “Éco de D. Chama”, Edição de 28.03.1915) e em Maio de 1915, era professora do sexo feminino a Sra. Dª Amélia das Dôres Mendes de Macedo (Jornal “Éco de D. Chama”, Edição de 23.05.1915).
Em Julho de 1915 fizeram exame do 1º grau os alunos Genuina da Luz Andrade (bom); Esperança de Jesus Carvalho (suficiente); Maria Carlota de Sampaio Melo (suficiente); Maria Inácia Correia (suficiente); Maria Luiza Fernandes (suficiente); António Joaquim Reimão (bom); Francisco da Anunciação de Sá (bom); Francisco da Ressureição Lobão (bom); Manoel Joaquim Peleias (bom) e Luiz António Nogueira (suficiente) – Jornal “Éco de D. Chama”, Edição de 23.07.1915.

Foto SIPA

Tendo servido ao longo dos anos como escola primária, já na segunda metade do séc. XX, passou a funcionar no edifício o então Ciclo Preparatório (actuais 5º e 6º anos de escolaridade), tendo aí estudado os nascidos, como eu, na década de 60.
Nessa data, foi construído um corpo anexo ao edifício originário, no qual funciona, actualmente, o serviço de correios.
Após alguns anos de abandono, com a construção de novas escolas, o edifício veio a ser utilizado, já década de noventa, como Junta de Freguesia e outros serviços públicos.


Foto do Autor

Aqui ficam algumas notas sobre o edifício da escola primária, actual Junta de Freguesia, com o desejo de que os vindouros o saibam preservar, como importante e emblemático edifício da Vila de Torre de Dona Chama.